Total 90s — XXV

Neste mês: uma ameaça paira sob uma galáxia muito, muito distante; uma série sobre nada com tudo para fazer rir; um vento de mudança que derrubou um muro e assobiou para o lado e a vingança de um dragão receoso de uma bola de cristal.

Filme: ‘Star Wars: Episódio I — A Ameaça Fantasma’ — Star Wars: Episode I — The Phantom Menace (1999)

A Federação Galáctica quer cobrar um novo imposto para o transporte de mercadorias aos sectores mais afastados do universo, o que gera um bloqueio interplanetário. Em Naboo, a Rainha Amidala (Natalie Portman) sofre com os prejuízos que o seu povo enfrenta com tantas carências e tenta negociar com o Senado uma solução, mas é atacada por representantes de um planeta invasor. Vão ao seu socorro dois cavaleiros Jedi, Qui-Gon Jinn (Liam Neeson) e Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor). Na sua rota de fuga acabam por aterrar num pequeno planeta chamado Tattoine, onde encontram uma criança de nove anos que pode ser a resposta de uma importante profecia. O seu nome é Anakin Skywalker (Jake Lloyd), e ele é acolhido por Qui-Gon como seu aprendiz. Mas no encalço destes está o maquiavélico Darth Sidious (Ian McDiarmid), cuja identidade é mantida em segredo, e o seu braço direito, Darth Maul (Ray Park). Os dois são representantes dos até então extintos Sith, a principal força contrária ao desejo de paz representado pelos Jedi.

Ao longo dos anos 80, George Lucas comentou que não tinha nenhum desejo de voltar ao universo de ‘Star Wars’ após ‘Guerra das Estrelas: O Regresso de Jedi’ (1983) fechar a trilogia original. Contudo, porque Lucas tinha desenvolvido a maior parte da história de fundo, a ideia de prequelas continuava a fasciná-lo. No início de 1990, ‘Star Wars’ viu um ressurgimento de popularidade, com a banda desenhada da Dark Horse e a trilogia de romances de Timothy Zahn. Lucas viu que ainda havia um grande público para a sua ideia de uma trilogia e com o desenvolvimento da tecnologia de efeitos visuais com imagens geradas por computador (CGI), pensou em voltar ao seu “universo” e realizar o filme. Lucas começou a descrever a história: Anakin Skywalker, ao invés de Obi-Wan Kenobi, seria o protagonista e a nova trilogia seria uma tragédia que examinava as origens de Darth Vader. Lucas também começou a mudar a linha do tempo relativo às prequelas e à trilogia original, preenchendo a história de fundo com paralelos existentes ou tangenciais aos originais e começando uma longa história que iniciaria com a infância de Anakin e terminaria com a sua morte. Este foi o passo final para transformar a franquia numa saga.

‘Star Wars: Episódio I — A Ameaça Fantasma’ foi lançado nos cinemas a 19 de maio de 1999, dezasseis anos depois da última estreia de um episódio da saga. A estreia do filme recebeu ampla cobertura da imprensa e alta antecipação por causa do largo impacto cultural que a saga ‘Star Wars’ tem cultivado. Recebeu críticas medianas dos especialistas que elogiaram a fotografia, as sequências de acção, o som e efeitos sonoros, a banda sonora de John Williams e as actuações de Liam Neeson, Ewan McGregor, Pernilla August, Ray Park e Ian McDiarmid mas criticaram o argumento e o ritmo narrativo. Arrecadou 924,3 milhões de dólares por todo o mundo na sua estreia, tornando-se na época a segunda maior bilheteira de todos os tempos, apenas atrás de ‘Titanic’ (1997). Foi o maior sucesso de bilheteira de 1999 e o mais rentável de um filme de ‘Star Wars’ (até o lançamento de ‘Star Wars: Episódio VII — O Despertar da Força’ em 2015).O relançamento em 3D em Fevereiro de 2012 adicionou 102,7 milhões de dólares à sua receita, chegando à marca de um bilião mundialmente. O filme foi seguido pelas sequelas, ‘Star Wars: Episódio II — O Ataque dos Clones’ em 2002 e ‘Star Wars: Episódio III — A Vingança dos Sith’ em 2005.

Cresci a ver e a rever os filmes da trilogia original em VHS. Não tenho memória de quando os três filmes passaram pela primeira vez na televisão mas o meu pai ou o meu irmão mais velho decidiram gravar em cassete de vídeo. Foram tantas as visualizações e rebobinagens que por exemplo a fita do Episódio IV, na altura simplesmente conhecido por cá como ‘A Guerra das Estrelas’ (1977), até chegou a partir. Nada que um engenhoso remendo com fita-cola não reparasse para continuar a disfrutar do meu gosto em criança pelo universo criado por George Lucas. Chegado a 1999, partilhava da expectativa de milhões por todo o mundo que aguardavam o regresso da saga às salas de cinema e fui ver o filme na companhia de uns colegas voluntários da Expo’98. Apesar de não ter sido na primeira semana de exibição (por já estarem esgotados os bilhetes) ainda encontrámos uma sala completamente cheia e com direito a aplauso efusivo quando surgiram no grande ecrã as míticas letras douradas acompanhadas pela épica banda sonora de John Williams. Acabou por ser mais marcante toda a expectativa e experiência de ir ver o filme do que o próprio, que com um argumento pobre, quebras de ritmo e demasiadas (e falhadas) distracções cómicas ficou bastante longe da qualidade da trilogia original. Ainda assim, continuo a preferir ‘A Ameaça Fantasma’ e as suas duas sequelas a qualquer um dos filmes da trilogia final, que perdeu toda a sua “Força”.

Série: ‘Seinfeld’ (1989–1998)

‘Seinfeld’ é uma sitcom exibida originalmente nos Estados Unidos pelo canal televisivo NBC por nove temporadas, entre 5 de julho de 1989 e 14 de maio de 1998. Foi criada por Larry David e Jerry Seinfeld, este último encabeçando a série como uma versão fictícia de si mesmo. Situado predominantemente num prédio de apartamentos da área Upper West Side de Manhattan, ‘Seinfeld’ apresenta um grupo de amigos e parentes de Jerry, entre eles o amigo de infância George Costanza (Jason Alexander), a ex-namorada Elaine Benes (Julia Louis-Dreyfus) e o vizinho da frente Cosmo Kramer (Michael Richards).

Em 1988, os comediantes norte-americanos de stand-up Larry David e Jerry Seinfeld levaram à NBC a proposta de criação de uma série de comédia chamada ‘The Seinfeld Chronicles’, que assentaria na intenção de mostrar como um comediante obtém o material dos seus espectáculos. O episódio-piloto foi para o ar em 1989 mas a NBC considerou pouco provável a continuação da série, chegando mesmo a ser oferecida à Fox, que recusou a proposta. Contudo, Rick Ludwin, responsável pela programação nocturna da NBC, desviou parte das verbas do seu orçamento e assegurou que os próximos quatro episódios da sitcom, agora renomeada apenas ‘Seinfeld’, fossem gravados e transmitidos no ano seguinte, agradando à crítica e possibilitando que a série avançasse para uma segunda temporada.

Os telespectadores ditaram o sucesso de ‘Seinfeld’ por aí em diante e tornaram a série numa das mais vistas de sempre da televisão norte-americana e que só chegou ao fim porque o próprio Jerry decidiu não avançar para uma décima temporada, apesar de ser líder de audiências e de a NBC lhe ter oferecido mais de 100 milhões de dólares para continuar. A maioria dos 180 episódios foram escritos por Larry David, alguns com a colaboração de Seinfeld, e por vários colaboradores. Todos os argumentistas trouxeram situações reais que ocorreram nas suas vidas (às vezes exageradas para efeitos cómicos) para aplicarem às narrativas das personagens, elas próprias já baseadas em pessoas reais (George é uma versão justamente de Larry; Elaine tem como inspiração Carol Leifer, comediante e antiga namorada de Jerry; Kramer é baseado no antigo vizinho de David, Kenny Kramer). No estúdio, a noção de que os personagens não se deveriam aperfeiçoar ou melhorar através da série foi expressada por uma regra de “sem abraços, sem aprendizagens”. Ao contrário de muitas sitcoms, não há momentos de pathos, os telespectadores nunca são levados a sentir pena por quaisquer personagens.

Para inaugurar o espaço das séries no Total 90s, nada melhor do que trazer uma das mais bem-sucedidas e influentes sitcoms da história da televisão e, pessoalmente, a minha favorita de sempre. Transmitida por intermédio da TVI pela primeira vez em Portugal no ano de 1998 (curiosamente o ano em que se chegava ao fim nos Estados Unidos), ‘Seinfeld’ rapidamente cativou a minha atenção por ser diferente das outras comédias de situação. Tinha um professor de Sociologia na faculdade que aconselhou a série aos alunos pelos códigos sociais relevantes abordados e discutidos na mesma, ao mesmo tempo que os personagens nos faziam rir com comportamentos e situações mundanas do dia-a-dia. Quando passava na televisão, chegava a gravar alguns episódios para ver novamente e discutia os mesmos no dia seguinte com amigos e colegas. Anos mais tarde colecionei todas as temporadas em DVD e ainda revejo a série regularmente. “Não que haja algo de errado com isso”.

Música: ‘Wind of Change’ — Scorpions (1990)

Após uma década de 80 que os consagrou como uma das mais reconhecidas bandas de hard rock do planeta, os Scorpions entraram nos anos 90 da melhor maneira possível com um álbum e, especialmente, um single de grande sucesso. Retirada de ‘Crazy World’, o 11º trabalho de originais da banda de Hanover, a canção ‘Wind of Change’ tornou-se a mais vendida de sempre por parte de um artista ou banda alemã e um dos mais rentáveis singles a nível mundial. Para a compor, o vocalista Klaus Meine inspirou-se nos “ventos de mudança” que atingiam a Europa na altura como a queda do Muro de Berlim, a dissolução da União Soviética e o consequente fim da Guerra Fria.

A ideia para a canção surgiu após os Scorpions actuarem no Moscow Music Peace Festival, um evento de dois dias realizado em 1989 na capital da então União Soviética. Marcando a primeira vez que bandas de hard rock e heavy metal estrangeiras tiveram permissão para actuar em Moscovo, o festival contou ainda com nomes como Bon Jovi, Mötley Crüe ou Ozzy Osbourne, entre outros artistas e bandas. A letra celebra a glasnost (política reformista implementada por Mikhail Gorbatchov, juntamente com a perestroika) na União Soviética, o fim da Guerra Fria e fala de esperança numa época em que as condições tensas surgiram devido à queda dos governos comunistas entre as nações do bloco de leste a partir de 1989. A canção começa com a guitarra de Matthias Jabs e o célebre assobio de Meine e os primeiros versos referem-se a marcos da cidade de Moscovo, tais como o rio do mesmo nome e o Gorky Park. A canção tornou-se também associada à reunificação da Alemanha e foi tocada pelos Scorpions junto às Portas de Brandemburgo em 9 de novembro de 1999, durante o 10º aniversário da queda do Muro de Berlim. Em 2005, os telespectadores do canal televisivo alemão ZDF escolheram ‘Wind of Change’ como a música do século.

‘Crazy World’ representou uma ligeira mudança de sonoridade face ao seu antecessor ‘Savage Amusement’ (1988) muito pela alteração de produtor. O alemão Dieter Dierks havia produzido todos os álbuns dos Scorpions desde 1975 mas divergências criativas com alguns membros da banda ditaram o seu afastamento e substituição pelo norte-americano Keith Olsen. O resultado foi um trabalho sólido de hard rock, embora menos “pesado” que o anterior, e cujo single principal vendeu mais do dobro que o próprio álbum. Com o alinhamento clássico desde ‘Lovedrive’ (1979) constituído por Meine (voz), Jabs (guitarra principal), Rudolf Schenker (guitarra rítmica), Francis Buchholz (baixo) e Herman Rarebell (bateria), ‘Crazy World’ gerou também os singles ‘Tease Me Please Me’, ‘Don’t Believe Her’ e ‘Send Me an Angel’, este último com bastante sucesso e tornando-se uma presença habitual nos concertos da banda.

Lá por casa, eu e os meus irmãos sempre gostámos dos Scorpions, facto reforçado pelos dois discos de vinil que ouvíamos com alguma frequência. A transição para uma nova década e a quase inevitável adaptação de sonoridade foi difícil para muitas bandas fundadas no hard rock, com algumas a não resistirem à mudança. Os Scorpions mantiveram-se relevantes nos anos 90 mas a sua popularidade também viria a decrescer, principalmente a partir da segunda metade da década. Não voltámos a ter nenhum álbum de originais do quinteto em casa mas ‘Wind of Change’ passava frequentemente nas rádios e televisões e tornou-se uma das músicas mais conhecidas da carreira da banda germânica. Recentemente, a canção foi notícia porque Klaus Meine resolveu alterar os primeiros dois versos da mesma quando cantada ao vivo face à invasão da Ucrânia por parte das tropas russas por “não ser a altura para romantizar a Rússia”.

Videojogo: ‘Dragon’s Revenge’ (1993)

Os aldeões de Kalfin’s Keep foram escravizados por um dragão maligno e a sua aliada Darzel, que usa magia negra para capturar três aventureiros: o guerreiro Kragor, a lutadora bárbara Flavia e Rina, uma feiticeira do bem. O objectivo do jogador é fazer uso de bolas mágicas como arma para resgatar os heróis aprisionados e, então, liderá-los na batalha contra as forças das trevas. Se o jogador for bem-sucedido, no final do jogo o dragão é morto e a bruxa Darzel é presa dentro de uma esfera encantada.

A sinopse acima até parece remeter para um jogo de fantasia medieval ao estilo da saga ‘Golden Axe’ mas diz mesmo respeito a um título de pinball, também conhecidos como flippers. Desenvolvido e distribuído em 1993 pela Tengen, uma subsidiária da norte-americana Atari, ‘Dragon’s Revenge’ é a sequela exclusiva para a Mega Drive do muito elogiado ‘Devil’s Crush’ (1990), um jogo do mesmo género que foi renomeado ‘Dragon’s Fury’ após o lançamento para a referida consola da Sega.

O jogo apresenta alguns níveis diferentes, incluindo rondas de bónus e lutas contra bosses. Nenhum dos níveis tenta simular uma máquina de pinball, como em outros jogos do género (não há, por exemplo, a funcionalidade de inclinar a mesa, conhecida como tilt) mas apenas usa a sua mecânica básica. A temática e o cenário de sword and sorcery, onde se podem acertar com as bolas do jogo em vários inimigos e objectos, traz maior entusiasmo ao jogo, que apresenta gráficos bem cuidados, sons apelativos e músicas entusiasmantes.

Apesar de pertencer a uma primeira fase de jogos que saíram para a Mega Drive (identificável pelo estilo visual da capa, caixa e cartucho), ‘Dragon’s Revenge’ foi um dos últimos jogos que tive para a consola da Sega. As máquinas e mesas de flippers sempre foram uma presença habitual em quaisquer salões de jogos (a minha primeira memória de um videojogo é a da máquina arcade com o jogo ‘Pinball Action’, de 1985) mas terei gasto muito poucas moedas neste tipo de jogos, não por desinteresse mas porque haviam sempre outros jogos que chamavam mais a minha atenção. ‘Dragon’s Revenge’ foi uma boa surpresa e, apesar de nunca ter chegado ao fim do mesmo, proporcionou-me várias horas de diversão.